Como o Brasil caminhou para trás
e de viés nos tempos da Lava Jato, coisas impressionantes aconteciam, e
ninguém, muito especialmente a imprensa, indagava: “Mas por que é assim?”
Bastava que uma fonte da Polícia ou do Ministério Público passasse adiante versões
endossadas por Sergio Moro, juiz da operação, e Deltan Dallagnol, então
coordenador da força-tarefa, e ninguém queria saber de mais nada. Hoje, um é
senador, e o outro, deputado. É vergonhoso para uma democracia.
A dupla tinha e tem uma pedra no
sapato. Chama-se Rodrigo Tacla Duran, um advogado acusado pela Lava Jato de
lavar dinheiro para a Odebrecht. Os recursos seriam destinados ao pagamento de
políticos. Duran sustenta há muito tempo ter sido vítima de extorsão para não
ser preso pela operação. Como ele teria se negado a pagar a totalidade do que
lhe haviam exigido, teve, então, a prisão preventiva decretada por Moro 2016.
Com dupla cidadania, mudou-se para a Espanha.
Não tivesse havido uma mudança
nos ventos, e Duran jamais seria ouvido. A Vaza Jato revelou os métodos a que
recorriam Moro e Dallagnol em seus respectivos ofícios, e a 13ª Vara Federal de
Curitiba, sob a titularidade do juiz Eduardo Appio, não serve mais como um
aparelho das vontades de um grupo que mirava o poder. Tampouco o Supremo se
confunde com um picadeiro. No dia 17, o ministro Ricardo Lewandowski já havia
suspendido a ação penal contra o advogado.
Nesta segunda, Duran prestou
depoimento a Appio por teleconferência. E referendou uma acusação que já havia
feito em entrevista a Jamil Chade, em reportagem publicada pelo UOL no dia 18
de junho de 2019. O advogado afirma ter sido vítima de extorsão, levado a
efeito, em 2016, pelo advogado Carlos Zucolotto Jr., sócio, então, de Rosângela
Moro. Mais do que isso: trata-se de um compadre do agora senador. E tudo, diz
ele, com o conhecimento de Dallagnol.
Zucolotto lhe teria pedido US$ 5
milhões para que não tivesse a preventiva decretada. Desse total, US$ 613 mil,
sustenta, foram efetivamente pagos na conta do escritório do advogado Marlus
Arns, outro amigo de Rosangela. Como tivesse desistido de efetuar o resto do
pagamento, veio o decreto de prisão. Mas já não estava mais no Brasil. Chegou a
ser preso na Espanha pela Interpol, mas a decisão foi revogada.
Appio decidiu enviar o caso para
o Supremo nestes termos:
“Diante da notícia-crime de
extorsão, em tese, pelo interrogado, envolvendo parlamentares com prerrogativa
de foro, ou seja, deputado Deltan Dallagnol e o Senador Sergio Moro, bem como
as pessoas do advogado (Carlos) Zocolotto e do dito cabo eleitoral (de Sergio
Moro) Fabio Aguayo, encerro a presente audiência para evitar futuro
impedimento, sendo certa a competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal,
na pessoa do Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, juiz natural
do feito, porque prevento, já tendo despachado nos presentes autos”.
O juiz também determinou a
inclusão de Duran, contra quem não pesa mais o decreto de prisão preventiva, no
programa de proteção às testemunhas. E explicou:
“O acusado está sendo encaminhado
ao programa federal de testemunhas protegidas por conta do grande poderia
político e econômico dos envolvidos, sendo certo que toda e qualquer medida
somente será apreciada por este Juízo Federal em caso de risco concreto à visa
e/ou segurança das testemunhas e autoridades envolvidas”.
Duran disporia de fotos e
gravações que comprovam as suas denúncias.
REAÇÕES
A Lava Jato deveria ter ensinado
a todos, muito especialmente ao jornalismo, a não tomar, em princípio, como
verdade a palavra de depoentes, delatores, investigados e… investigadores. É
preciso apurar. Duran diz dispor das provas. Vamos ver. As respectivas reações
de Moro e Dallagnol dão o que pensar.
Nota divulgada pela assessoria do
ainda senador sustenta, referindo-se a Duran:
“Trata-se de uma pessoa que, após
inicialmente negar, confessou depois lavar profissionalmente dinheiro para a
Odebrecht e teve a prisão preventiva decretada na Lava Jato. Desde 2017, faz
acusações falsas, sem qualquer prova, salvo as que ele mesmo fabricou. Tenta desde
2020 fazer delação premiada junto à Procuradoria Geral da República, sem
sucesso. Por ausência de provas, o procedimento na PGR foi arquivado em 9/6/22.
O senador não teme qualquer investigação, mas lamenta o uso político de
calúnias feitas por criminoso confesso e destituído de credibilidade.”
Nem parece aquele que, no
passado, condenou, confessadamente sem provas, um ex-presidente e que, ainda
agora, força a mão para tentar ligar Lula e o PT, seus alvos fixos, ao PCC.
Sabe, obviamente, que isso é mentira.
Dallagnol preferiu o modo
espalhafatoso, como é de seu estilo. E, também ele, mirou o petismo, uma
obsessão antiga. No Twitter, mandou ver:
“Adivinha quem acreditou num dos
acusados que mais tentou enganar autoridades na Lava Jato? Ele mesmo, o juiz
lulista e midiático Eduardo Appio, que nem disfarça a tentativa de retaliar
contra quem, ao contrário dele, lutou contra a corrupção”.
O curioso é que o juiz nem
acreditou nem desacreditou. Enviou o material para o Supremo. Ocorre que o
deputado Dallagnol segue o padrão do procurador Dallagnol: ataca os juízes que
não servem a seus desígnios e os petistas. Se um meteoro pusesse fim à vida no
planeta e tivesse tempo de dar um último suspiro, balbuciaria: “Culpa do PT”.
ENCERRO
Há muito tempo, como se sabe,
Duran repete ter sido vítima de extorsão. Nunca teve a chance nem de expor
aquilo que considera as provas. Se existirem, pior para Moro e Dallagnol. Se
não, é acusador quem se desmoraliza. O juiz Appio apenas cumpriu uma obrigação.
Não deixa de ser engraçado, não é
mesmo?, que a dupla tente desmoralizar Duran acusando-o de criminoso — razão
por que suas declarações não teriam credibilidade. Digam-me aqui: o suposto
plano para sequestrar Moro foi denunciado, até onde se sabe, por um criminoso.
Deve-se apurar ou não? Parte do festival de delações da Lava Jato tinha como
protagonistas pessoas que haviam cometido… crimes!
Já a acusação de que Appio é um
juiz com viés ideológico é de fazer corar os tribunais! Olhem quem está
falando: um juiz que virou senador e um procurador que virou deputado. Isso
tudo é conversa mole. Pouco importa o juízo que os acusados façam de Duran, é
preciso saber se o que ele diz é ou não verdade. O resto é só pretexto para
inflamar a militância, como é habito na extrema-direita.
Reinaldo Azevedo - 28 de março de 2023